quinta-feira, 30 de maio de 2013

Ouvido não é paiol

 

Carlos Alenquer


Carlos Alenquer
Ouvido não é paiol. As moças e os rapazes que trabalham nos diversos telemarketings existentes por aí – seja nos chamados passivos, que atendem pelo 0800, ou nos ativos, que invadem os seus tímpanos sem pedir licença – não têm nenhuma culpa. São pagos para isso: pra deixar a vítima esperando mais de 20 minutos enquanto dizem que o problema está sendo resolvido ou pra acelerar a decisão do ouvinte sobre a compra algum objeto inútil para sua vida. Em ambos os casos, contudo, sempre há uma tentativa de parecer agradável, de demonstrar que está fazendo um grande favor – e por isso falam com mansidão, quase com carinho.

Não é o caso do telemarketing da GVT. Nele, um locutor de porta de loja grita no seu aparelho pedindo que você aperte rapidamente a tecla dois para conseguir os melhores descontos em suas ligações.

Se os clientes não se assustassem tanto com a ofensiva de 80 decibéis, poderiam até descobrir se a oferta é ou não um mau negócio. Nunca se saberá: ninguém consegue ouvir toda a gritaria e desliga o telefone antes da mensagem chegar a seu final glorioso. Sorte das concorrentes.
Fora Trapizonga! O escritor e publicitário Fernando Fabbrini enviou comentário para este Diário, sugerindo a frase como slogan da campanha contra o malfadado estrupício (como disse outra leitora, Ana Paola) da Coca Cola na praça da Liberdade. Aquele mesmo que desejava ser uma ampulheta, mas não coneguiu passar de um desengonçado objeto quase não-identificado.
Tudo pelo automóvel. Todos os governos do Brasil – os municipais, os estaduais e o federal – seguem como cachorrinhos de madame as determinações da Fifa para o bom andamento das copas das Confederações e do Mundo em território pátrio. Até os vendedores ambulantes, com seus churrasquinhos de gato e refrescos caseiros, serão deixados a uma distância regulamentar dos eventos para que não prejudiquem o faturamento dos sanduíches McDonald’s e dos refrigerantes Coca-Cola. No entanto, quando as determinações ferem os interesses dos que têm dinheiro para pagar ingresso de 150 reais, as coisas mudam de parâmetro.

Exemplo: o GDF-Governo do Distrito Federal deixou correr frouxo, no último domingo, o tráfego de carros particulares no Eixão Rodoviário (chamado de Eixão do Lazer aos domingos e feriados, dias em que os pedestres ocupam toda a sua extensão). Quer dizer: retirou, dos brasilienses, um dos poucos espaços de divertimento oferecidos à comunidade, para que os bacanas pudessem utilizar a via pública em seu caminho para os prazeres de uma despedida zero-a-zero de Neymar.

Como diz o professor da UnB Paulo César Marques da Silva, que entende mais do assunto do que qualquer governador mal assessorado, posto que é doutor em transportes por uma universidade chique de Londres, o esquema montado pelo GDF configura uma contradição irrespondível: enquanto a Fifa pretende substituir o tráfego motorizado individual pelo transporte coletivo, Brasília opta por privilegiar o conforto de alguns em detrimento de toda a população.

O que aconteceu neste domingo não é fato isolado. O exemplo do Mané Garrincha estabelece um padrão a ser seguido pelo Mineirão, o Maracanã, o Castelão e todos os estádios (hoje chamados de arena) do país. Com ou sem copas internacionais.

Ponto de vista. No dia seguinte ao Atlético x Tijuana, no Horto, esta coluna publicará um comentário sobre o jogo. Nele, será mostrado como cruzeirenses civilizados (aqueles que acreditam que a Raposa jogou água no chope do Galo, e não que o time preto e branco foi campeão no Mineirão), se preparam para o Bayern x Atlético na final do interclubes. Razões não faltam.
Carlos Alenquer começou como jornalista (repórter e redator de rádios e jornais) em Fortaleza, depois no Rio e em Belo Horizonte. Migrou para a propaganda, mas continuou colaborando em vários jornais e revistas. Tem dois livros publicados: Anúncios (Achamé, Rio) e 21 Poemas (Mazza, BH).

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